O PESO DO MUNDO


Parado ali, com uma estátua, ele observava inquieto, como um ser humano, a estátua do Atlas. – Terrível fardo – pensou, olhando para estátua, mas referindo-se a si mesmo – Como alguém pode suportar tamanha carga? – Ficou ali por horas fazendo companhia a obra de arte, com receio de sair e se sentir outra vez sozinho.

Seu nome era Pedro, um cara legal, sorridente, inteligente, divertido e de boa aparência. Se o sucesso fosse baseado apenas na carreira profissional, ele poderia ser considerado um homem de sucesso, pois era um advogado de renome e daqueles professores que se transformam facilmente em ídolo dos alunos. Mas de uns tempos para cá ele vinha se sentindo estranho.

Ele odiava se sentir assim. Era um tipo de tristeza, mas daquelas que não se apresentam pelo nome. – Por que estou triste? – Perguntou a si mesmo em voz alta, como se esperasse que a resposta viesse de fora. O silêncio foi total dentro dele. A tristeza não se apresentava e, não se apresentando, ele não sabia por onde começar. Havia lutado tanto para sair da caixa das coisas comuns que não se preocupou em saber em que tipo de caixa entraria depois. Estava perdido. Eu o via como uma criança que sonhava em crescer, sem saber o que a esperava na fase adulta.

Era curioso observá-lo. Como um cara que passou por tantas conquistas poderia acreditar que chorar sozinho no banheiro com as luzes apagadas amenizaria de alguma forma sua dor? Era sempre a mesma cena: luz apagada, chuveiro ligado, cabeça abaixada e os gritos internos. Não pense que ele só remoía o passado ou se preocupava com futuro. Ele simplesmente era um turbilhão de várias coisas ao mesmo tempo. – De volta a adolescência! – Pensava ele quando saía dessas crises. Até entendo por que pensava assim. Na sua adolescência, Pedro se sentia abandonado como a maioria dos adolescentes. Não no sentido de abandono mesmo, mas no sentido de ser governado por hormônios, energia e pouco conhecimento do mundo que o cercava. Ele tinha uma certa razão de dizer isso, pois apesar de não ter certeza se estava mais uma vez sendo governado por questões biológicas ou coisa do tipo, ele sabia que não se governava e tinha conhecimento do mundo que o cercava, no entanto, não gostava nada dele.

Pedro acreditava no amor, mas não o sentia. Entendia o amor como sendo algo que se dava a si mesmo e não à outra pessoa. Pensava que se fosse para amar somente alguém que fizesse bem a ele, então, não seria pela outra pessoa, mas por ele mesmo. Uma relação egoísta. Era um cara confuso com relação a sentimentos. Quando os amigos diziam que ele precisava arrumar alguém para passar a vida, ele citava Chuck Palahniuk: “uma geração de homens criados por mulheres, vai saber se é de outra mulher que a gente precisa”. Riam, porque ele era no fundo um cara alegre.

Certa noite exagerou no vinho. Caminhou pelas ruas da cidade e se perdeu por becos e vielas e pegou no sono ali na calçada mesmo. Acordou com um morador de rua lhe encarando. Ergueu-se e o encarou de volta. O morador de rua simplesmente saiu andando desconfiado e ele finalmente parou para encarar a si mesmo. – É, de volta a vidinha de merda! De volta a essa sociedade enlatada! Ouviram? Bando de sardinhas enlatadas e prontas para consumo! É isso o que somos! Só isso! Nada mais! Filhos de uma puta! – Sabia que não teria coragem de desabafar, por isso só imaginou que estava dizendo aquilo em voz alta.

– Pareço até um playboy de merda enchendo a cara e perambulando pelas ruas de São Paulo com terninho caro -. De fato, parecia mesmo. Caminhou mais um pouco até ser observado por uma estátua, através de uma vitrine de um famoso antiquário. Ele conhecia a mitologia grega.

Atlas era um titã que havia se juntado com outros para conquistar o poder. Zeus acabou vencendo a batalha e o condenou a segurar para sempre os céus. Hércules aliviou por um tempo seu peso, quando precisou do Atlas para apanhar algumas maças de ouro do jardim de Hespérides, pois prometeu havia dito que somente Atlas conseguiria realizar tal feito. Hércules segurou o globo por um tempo, mas Atlas, após colher os frutos, não quis voltar ao suplício. Então, Hércules pediu para que colocasse algo em seus ombros para que pudesse sustentar o peso de uma forma menos dolorosa, quando Atlas pegou novamente o firmamento, Hércules foi embora e o deixou novamente com o castigo. Depois construíram as colunas de Hércules para sustentar os céus e Atlas ficou livre do terrível suplicio. Virou o primeiro rei de Atlântica ou algo assim. Não lembrava bem.

Pedro pensou por um minuto na história do Atlas, mas logo estava dentro da sua própria história. – “Não vemos o mundo como o mundo é, vemos o mundo como nós somos”- Lembrou dessa frase, sorriu, mas não tirou os olhos da estátua. – Vivemos tentando conquistar o poder de alguma forma e nem nos preocupamos com as consequências – Pensou rapidamente, mas logo abandonou a linha de raciocínio, pois,  já não sabia se ele era a estátua ou se a estátua era ele, pois as vezes parecia que via a si mesmo pelos olhos de pedra da imagem, as vezes parecia que via a estátua pelos olhos dele. Uma coisa é certa; não via muita diferença. Pensou em Nietzsche. – Será que me tornei o abismo que tanto observei? ” – Parecia um louco.

Pedro sobreviveu aquela madruga, voltou ao trabalho, entregou-se quase que completamente aos estudos. Arrumou algumas distrações. Pensou em mudar de país. Pensou em abandonar tudo e começar do zero, mas não o fez. Ele pensou em comprar a imagem, depois de pensar muito sobre o assunto desistiu. Hoje segue em frente inocente, como uma criança que não sabe que carregará aquela estátua para sempre. Pedro sabe que cada pessoa tem seus próprios sonhos, seus próprios demônios, seus próprios medos, mas uma coisa temos em comum: todos carregamos um pouco do mundo nas costas. As luzes do banheiro se apagaram de novo, desta vez num apartamento de luxo. Pobre Pedro…

Por Pierre Logan

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