O CRENTE OSTENTAÇÃO
Certa noite eu estava assistindo um jornal na TV, deitado no conforto
da minha casa, quando apareceu subitamente (depois de um comercial de
cerveja) na tela do meu aparelho, uma criatura bem vestida com cara
de vendedor picareta. Pequei, pois fiquei com preguiça de mudar de
canal, aí fiquei ouvindo…. Ele dizia algo tipo: “Quer recuperar
sua casa, comprar seu carro, pagar suas dívidas? Então saiba que
antes de tudo é preciso pagar a dívida que você, meu irmão, tem
com Deus e para isso é preciso aceitar Jesus”. Não pude deixar de
observar que o indivíduo usava relógio de alto valor, colar de ouro
e roupa de tecido fino, então pensei: “Deve ser agora que ele fala
sobre não juntar tesouros na terra”. Ele prosseguiu falando de
vitórias e sobre como conquistar o melhor que o capitalismo tem para
oferecer. Depois de ouvir tanta coisa divina em tom tão empolgante,
não deu outra; peguei no sono.
Sonhei que Jesus retornara à
terra. E, como é de seu direito, entrou em uma igreja gigantesca
sem pedir licença, afinal, estava escrito na fachada que “Jesus
Cristo é o Senhor”. Ao adentrar expulsou as pessoas que
ali estavam comprando e vendendo. Derrubou o “palanque” do
pastor, as cadeiras e até a imagem de uma pomba (Mateus 21;12).
Pensei comigo mesmo: “Deve ter se convertido para os Black Blocks”.
Ele estendeu o dedo em direção a um cidadão meio careca, com barba
grande e olhos apertados (não era o Bispo Macedo, mas era
igualzinho) que tinha acabado de chegar num carro blindado de mais de
um milhão de reais. E eis que Cristo disse: “Está
escrito: Minha casa será chamada casa de oração; mas vocês estão
fazendo dela um covil de ladrões! ”.
O líder do MSC (Movimento dos Sem
Céus) indignado, soltou as vassouras, os óleos, os lencinhos
umedecidos com etiquetas de preços (20 ‘real’) todos abençoados
pelo suor dele (garantia de entrada no céu); ordenou aos seus
seguidores que castigassem aquele forasteiro e preparassem, sua
recrucificação; mas antes lhe disse: “converta-se e será
perdoado por mim, em nome de você mesmo”. Jesus olhava com a
compaixão do Juiz justo (na hora pensei que se ele não mandasse o
pastor tomar no cú era porque era Jesus mesmo). Não mandou, mas o
pastor tinha jeito de quem não precisa de convite para essas coisas.
O homem ficou ainda mais bravo ao perceber que havia amassado o terno
e perdido a hora do almoço que combinara com políticos importantes
(só gente de Deus).
Já estavam a erguer a cruz,
quando Jesus falou: “Portanto, lhes digo: não se preocupem
com sua própria vida, quanto ao que comer ou beber; nem com o seu
próprio corpo, quanto ao que vestir. Não é a vida mais importante
que a comida, e o corpo mais importante que a roupa? Observem as aves
do céu: não semeiam nem colhem nem armazenam em contas bancárias;
contudo, o Pai Celestial às alimenta. Por que vocês se preocupam
com as roupas? ”. O pastor, então, cuspiu na face de
Jesus e disse: “Deus quer que eu seja vitorioso e me vista bem,
pois estou espalhando a boa nova, em Seu nome, e a roupa não é
minha. É da igreja”. Eis o que Jesus respondeu: “Vejam
como crescem os lírios do campo, eles não trabalham nem tecem,
contudo, eu vos digo que nem Salomão, em todo o seu esplendor,
vestiu-se como um deles”. Era tarde demais; Jesus tinha
sido recrucificado, mas antes de elevar-se no espaço ele clamou:
“Pai, não os perdoe desta vez, pois nesses tempos (depois que
inventaram o Google e o Youtube,) eles sabem muito bem o que estão
fazendo”.
Acordei e vi que o cara da
televisão tinha acabado de concluir sua oração e agora estava
vendendo livros, discos e falando sobre a dificuldade de manter um
programa de televisão. Dizia necessitar de doações para Deus.
Graças ao Senhor o programa
acabou (aleluiassssss – chá.bala.bacraba sá). Agora um rapaz
cantava funk com o colar e o relógio de ouro. Dizia que tinha carro,
mansão, carros e também falava uma língua estranha (tchu, tchu
tcha, tchu, tchu, tchu, tcha), ou seja, a mesma coisa que o pastor
pregava (isso é que é ser vencedor). O Deus que dava riqueza a um
crente obediente também enchia os bolsos do funkeiro honesto (ou
seria o contrário?). No entanto, existe uma grande diferença: Na
igreja, explicitamente, sexo, só depois do casamento.
Pierre Logan. O texto foi publicado originalmente pelo Jornal SP em
Notícias, Ano IV. Edição 26 de Julho de 2014
Por Pierre Logan
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