SOBRE PESSOAS E ÂNCORAS
Espere. Tenho muitas poesias
escritas por muitos poetas bons na minha memória. Talvez eu possa
recitar algumas para você. Sei lá… talvez eu possa arrumar outra
boa desculpa para te ter por perto. Não sei…
Todas as vezes na vida que eu não
soube o que fazer improvisei, mas minha entrega total a você não
foi improvisada. Foi impensada… foi inesperada… foi desesperada….
Eu quis te levar para conhecermos juntos o caminho, mas eu
desconhecia os perigos de caminhar a dois. Especialmente quando a
pessoa que está contigo não te faz se sentir acompanhado. Você
sabe…. Quantas coisas eu nunca soube explicar. Meu coração sentia
demais para ser representado pelo meu vocabulário limitado e foi por
isso que fiquei tantas vezes calado, bebendo todas aquelas sensações
em silêncio; nadando nas palavras não ditas. Surdo para todos os
gritos de socorro no oceano tempestuoso dentro de mim. Silêncio
sufocante. Queria que você viesse para que juntos pudéssemos ver,
mas foi só um de meus devaneios infantis.
O fato de estar te dizendo isto é
que decidi finalmente arrumar minha bagunça. Aquela parafernália
que você tanto falava precisava mesmo de uma arrumação. Ah! De
alguma forma a vida parecia sempre querer me empurrar para frente,
mas eu bagunçava tudo e ficava imóvel diante dela. Pensei nessas
coisas passadas e decidi ouvir seus conselhos e me livrar de umas
coisas, guardar outras, doar ou vender algumas outras coisas
desnecessárias do meu quarto. Abri a porta e os olhos para me
enxergar dentro do meu próprio quarto e estranhei não sentir o teu
perfume, mas fui forte. Todos os sentidos trabalharam para atrapalhar
minha coerência e mergulhei fundo nas gavetas, no diário, nos
cadernos, nos rascunhos, nos pequenos objetos que relembram grandes
momentos e notei a ausência de fotos que, como você sabe, sempre
odiei.
Meu Deus, essas coisas precisavam
mesmo de uma arrumação, e como eu precisava mesmo de uma distração
me desarrumei para organizar a bagunça; e que confusão… que
distração… nadei para o fundo das coisas perdidas no fundo das
gavetas e fiquei completamente submerso pelas palavras ditas e não
ditas do passado. Passei por isso. Passei por tristes caminhos
tortuosos das tristezas e truanices juvenis. Como eu estava perdido…
como nunca me achei…. Sei lá…
O caminho foi longo e depois de
tantas pedras no meio de um caminho que passava debaixo das pedradas
dadas pela turbulenta vida que vivemos, não consegui parar para
notar aquela maldita bagunça. Deixei tanta coisa para depois. Deixei
tanta coisa inacabada. Acabei percebendo que não se deve atirar
pedras no futuro porque há de chegar um dia em que elas estarão lá
nos esperando, despretensiosamente paradas no meio do nosso caminho.
Eu fiz isso. Depois de ser suficientemente tolo para fazer isso eu
procurei os culpados nas esquerdas e direitas da vida. Recolhi cada
uma daquelas pedras reclamando e tentando encontrar os grandes vilões
daquelas pedradas. Malditos. Eu era cabeça dura e não entendia que
o futuro nunca chega. Estava cego…
Cheguei à conclusão de que
precisava arrumar a bagunça e teria que ser algo perfeito. Preferi
fazer isso devagar para deixar tudo na mais perfeita ordem. Não
precisava ter pressa porque precisava me distrair e arrumar aquela
bagunça seria um tipo de terapia que me faria esquecer dos
problemas. Preste atenção nesta parte porque foi justamente aqui
que entendi e decidi escrever para você. Decidi esquecer dos
problemas, com essa “terapia da arrumação do quarto” e arrumei
tudo. Roupas ficaram estendidas ou dobradas cada uma em seu devido
lugar. Papéis organizados, livros e filmes catalogados e postos de
maneira que pudesse ler seus títulos sem ficar mexendo em tudo.
Arrumei as canetas, apontei o lápis, forrei a cama, alinhei e
engraxei os sapatos, os cremes e perfumes, as meias, cuecas, casacos,
cintos. Arrumei um suporte para pendurar minha guitarra, consertei o
aparelho de som e ajustei os quadros da parede de trás. Troquei a
lâmpada, a fechadura, o tapete e foi aí que notei que tudo ficou
arrumadamente igual. Sei que não existi esta palavra
“arrumadamente”, mas as vezes precisamos arrumar palavras para
não sofismar e, no meu caso, pôr as coisas em ordem. Outro erro
infantil.
Me enganei de novo. Demorei demais
para entender que arrumei tudo no meu quarto para me distrair de uma
vida bagunçada. Tudo, tudo, tudo estava dentro das gavetas abertas
dos dias que nasciam e morriam todo dia. O sol é a grande lâmpada
que não pode ser trocada. As roupas são o de menos quando temos uma
alma malvestida. Não nos aceitamos na imperfeição que nos torna
perfeitos e nos diferenciam dos demais. Tudo estava embaralhado com a
simplicidade dos meus momentos que compliquei por não acreditar que
a vida foi feita simplesmente para viver. Que desarrumação. Fui
jogando as coisas para depois. Me distraí com festas e conversas
vazias que eu acreditava que podiam preencher o vazio que sentia
dentro de mim. Deixei todas as coisas importantes bagunçadas e
perdidas nas gavetas diárias. Guardei coisas que não precisava,
livros que não leria jamais, amigos que não tinham por mim nem por
eles próprios o amor que queriam receber em troca da companhia que
supostamente faziam. A memória que guarda as poesias dos bons poetas
me alertava também acerca da bagunça que minha vida era. E eu achei
que minhas gavetas estavam erradas. A gente sempre coloca a culpa nas
coisas…
Roupas limpas e passadas para eu
passar o dia com as sujeiras e poluições do meu dia. Distração
uma ova. Eu precisava mesmo era de um choque para acordar e ver que
toda vez que eu me divertia para esquecer dos problemas eu os jogava
para o futuro e conforme a vida me empurrava para frente eu reclamava
porque eles estavam lá. Ninguém me advertiu e acabei chorando.
Chorei, busquei culpados, apontei para esquerdas e direitas
criticando os grandes vilões que meu ego culpava. Desarrumação
geral. Sempre achei que o problema fosse a bagunça do quarto.
Tudo ficou meio esquisito.
Confesso. Até entender que eu estava ancorado na vida. Todas as
vezes em que pensei em partir e me segurei em você. Você não
deixou de ser o meu porto seguro, mas as vezes a gente precisa
recolher a ancora e navegar. Na verdade, eu fui o culpado. Não
ajustei as velas. Precipitei-me em culpar o vento. Praguejar contra o
mar bravio. Me agarrei em você mesmo nos dias calmos e você pedia
para não te soltar. Mesmo quando tentava iniciar uma conversa eu me
prendi. Ancorei. Me prendi sem aprender que é na liberdade que
descobrimos que para se estar livre é preciso se prender em alguma
coisa. Viver é muito difícil e viver sozinho é muito mais,
especialmente com alguém ao lado. Assumo toda e qualquer
responsabilidade que você não queira para si. Despeço-me com o
único desejo de te ter de novo, ainda que seja só para dar um
singelo oi. A âncora pode vir comigo neste barco chamado vida, mas
você é uma pessoa que não aprende que toda pessoa pode ser uma
prisão, uma âncora não recolhida que não nos deixa ir adiante.
Hoje entendo que existem pessoas que te ajudam e te amam até certo
ponto. Elas mantêm a gente por perto, nos deixam felizes, nos fazem
se sentir bem, mas quando tentamos dar um passo sem elas tudo muda. O
ciúme nos impede de sair, caminhar, viver e quem sabe respirar. São
âncoras que não nos deixam sair para conhecer e viver a beleza de
outros mares. Porque a âncora tem a função de nos deixar firmes.
Ancorados. É a ligação entre nós e a própria terra. As âncoras
são a segurança que muitas vezes buscamos para descansar por um
tempo, mas o barco foi feito para navegar como a vida foi feita para
ser vivida. O mar foi criado para ser navegado, desbravado, vivido e
é por isso que os ventos sopram em qualquer direção. Nós
escolhemos a hora de ajustar, estender ou recolher as velas.
Escolhemos a direção, todavia, a âncora deve ser recolhida, caso
contrário jamais seremos navegadores de nossa curta existência.
Você só deixará de ser uma
âncora quando aprender a dar a mão as pessoas, mas nunca segurar
ninguém para sempre. O que causas hoje nas outras pessoas? Que tipo
de âncora se tornou?
Por Pierre Logan
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